A primeira e mais
antiga relação entre arte e Natureza proposta pela Filosofia foi a da imitação:
“a arte imita a Natureza”, escreve Aristóteles. A obra de arte resulta da
atividade do artista para imitar outros seres por meio de sons,sentimentos,
cores, formas, volumes, etc., e o valor da obra decorre da habilidade do
artista para encontrar materiais e formas adequados para obter o efeito imitativo.
Evidentemente, imitar
não significa reproduzir, mas representar a realidade através da fantasia e da
obediência a regras para que a obra figure algum ser (natural ou sobrenatural),
algum sentimento ou emoção, algum fato (acontecido ou inventado). Harmonia e
proporção das formas, dos ritmos, das cores, das palavras ou dos sons oferecem
a finalidade a ser alcançada e estabelecem as regras a serem seguidas pelos
artistas.
A partir do
Romantismo (portanto, após quase 23 séculos de definição da arte como
imitação), a Filosofia passa a definir a obra de arte como criação.
Enquanto na concepção
anterior o valor era buscado na qualidade do objeto imitado (imitar um deus é
mais valioso do que imitar um humano; imitar um humano, mais valioso do que
imitar um animal, planta ou coisa), agora o valor é localizado na figura do
artista como gênio criador e imaginação criadora.
Agora, a idéia de inspiração
torna-se explicadora da atividade artística: o artista, interioridade e
subjetividade especial, recebe uma espécie de sopro sobrenatural que o impele a
criar a obra. Esta deve exprimir sentimentos e emoções, muito mais do que
figurar ou representar a realidade. A obra é a exteriorização dos
sentimentos interiores do gênio excepcional.
A arte não imita nem
reproduz a Natureza, mas liberta-se dela, criando uma realidade puramente
humana e espiritual: pela atividade livre do artista, a fantasia, os homens se
igualam à ação criadora de Deus. Essa concepção é contemporânea, na Filosofia,
à idéia kantiana de diferença entre o reino natural da causalidade necessária e
o reino humano da liberdade e dos fins (diferença essencial para a ética), e à
idéia hegeliana do Espírito como Cultura e História, oposto e negador da
passividade e da causalidade mecânica da Natureza. Em suma, a estética da
criação corresponde ao momento em que a Filosofia separa homem e Natureza.
A terceira concepção,
nossa contemporânea, concebe a arte como expressão e construção. A obra de arte
não é pura receptividade imitativa ou reprodutiva, nem pura criatividade
espontânea e livre, mas expressão de um sentido novo, escondido no mundo, e um
processo de construção do objeto artístico, em que o artista colabora com a
Natureza, luta com ela ou contra ela, separa-se dela ou volta a ela, vence a
resistência dela ou dobra-se às exigências dela. Essa concepção corresponde ao
momento da sociedade industrial, da técnica transformada em tecnologia e da
ciência como construção rigorosa da realidade.
A arte é trabalho da
expressão que constrói um sentido novo (a obra) e o institui como parte da
Cultura.
O artista é um ser
social que busca exprimir seu modo de estar no mundo na companhia dos outros
seres humanos, reflete sobre a sociedade, volta-se para ela, seja para
criticá-la, seja para afirmá-la, seja para superá-la.
Essa terceira
concepção filosófica da arte coloca o artista num embate contínuo com a
Natureza e com a sociedade, deixando de vê-lo como gênio criador solitário e
excepcional.
Convite a Filosofia
Marilena Chauí
Páginas 412 e 413