segunda-feira, 18 de junho de 2012

Relação entre arte e Natureza


        A primeira e mais antiga relação entre arte e Natureza proposta pela Filosofia foi a da imitação: “a arte imita a Natureza”, escreve Aristóteles. A obra de arte resulta da atividade do artista para imitar outros seres por meio de sons,sentimentos, cores, formas, volumes, etc., e o valor da obra decorre da habilidade do artista para encontrar materiais e formas adequados para obter o efeito imitativo.
Evidentemente, imitar não significa reproduzir, mas representar a realidade através da fantasia e da obediência a regras para que a obra figure algum ser (natural ou sobrenatural), algum sentimento ou emoção, algum fato (acontecido ou inventado). Harmonia e proporção das formas, dos ritmos, das cores, das palavras ou dos sons oferecem a finalidade a ser alcançada e estabelecem as regras a serem seguidas pelos artistas.
A partir do Romantismo (portanto, após quase 23 séculos de definição da arte como imitação), a Filosofia passa a definir a obra de arte como criação.
Enquanto na concepção anterior o valor era buscado na qualidade do objeto imitado (imitar um deus é mais valioso do que imitar um humano; imitar um humano, mais valioso do que imitar um animal, planta ou coisa), agora o valor é localizado na figura do artista como gênio criador e imaginação criadora.
Agora, a idéia de inspiração torna-se explicadora da atividade artística: o artista, interioridade e subjetividade especial, recebe uma espécie de sopro sobrenatural que o impele a criar a obra. Esta deve exprimir sentimentos e emoções, muito mais do que figurar ou representar a realidade. A obra é a exteriorização dos
sentimentos interiores do gênio excepcional.
A arte não imita nem reproduz a Natureza, mas liberta-se dela, criando uma realidade puramente humana e espiritual: pela atividade livre do artista, a fantasia, os homens se igualam à ação criadora de Deus. Essa concepção é contemporânea, na Filosofia, à idéia kantiana de diferença entre o reino natural da causalidade necessária e o reino humano da liberdade e dos fins (diferença essencial para a ética), e à idéia hegeliana do Espírito como Cultura e História, oposto e negador da passividade e da causalidade mecânica da Natureza. Em suma, a estética da criação corresponde ao momento em que a Filosofia separa homem e Natureza.
A terceira concepção, nossa contemporânea, concebe a arte como expressão e construção. A obra de arte não é pura receptividade imitativa ou reprodutiva, nem pura criatividade espontânea e livre, mas expressão de um sentido novo, escondido no mundo, e um processo de construção do objeto artístico, em que o artista colabora com a Natureza, luta com ela ou contra ela, separa-se dela ou volta a ela, vence a resistência dela ou dobra-se às exigências dela. Essa concepção corresponde ao momento da sociedade industrial, da técnica transformada em tecnologia e da ciência como construção rigorosa da realidade.
A arte é trabalho da expressão que constrói um sentido novo (a obra) e o institui como parte da Cultura.
O artista é um ser social que busca exprimir seu modo de estar no mundo na companhia dos outros seres humanos, reflete sobre a sociedade, volta-se para ela, seja para criticá-la, seja para afirmá-la, seja para superá-la.
Essa terceira concepção filosófica da arte coloca o artista num embate contínuo com a Natureza e com a sociedade, deixando de vê-lo como gênio criador solitário e excepcional.

Convite a Filosofia
Marilena Chauí
Páginas 412 e 413